dando voz ao sujeito da aprendizagem: um estudo com crianças no primeiro ano do ensino fundamental
dando
voz ao sujeito da aprendizagem: um estudo com crianças no primeiro ano do
ensino fundamental
Alfabetização
, leitura e escrita. GT 10.
Regina
Mary César Reis. UNITAU.
Entendemos a
alfabetização como a questão básica na discussão sobre o processo educacional
escolar. Considerada como uma prioridade, em especial, no inicio da
escolarização das crianças, a alfabetização integra a dimensão democratizadora
da função da escola. Isto porque a socialização da escrita, insere-se na
problemática mais ampla do fracasso escolar, longamente vivenciado por um
grande contingente de alunos oriundos das camadas populares, que freqüentam as
escolas públicas brasileiras.
Em uma revisão da literatura que
trata da contribuição de estudos e pesquisas para o processo de alfabetização,
especialmente daqueles que descrevem práticas bem sucedidas, verificamos a
insuficiência de relatos sobre a fala dos alunos no decorrer da aprendizagem
escolar. Poucos estudos dão voz a criança, isto é, relatam manifestações dos
alunos sobre as suas próprias experiências escolares. Existe uma diversidade de
enfoques que consideram os processos pedagógicos, ou os aspectos psicológicos
envolvidos no aprendizado da leitura e da escrita, privilegiando-se as questões relativas ao professor, em sala de aula.
Contudo, levar em consideração a percepção da criança sobre as situações que
vivência na escola pode também, trazer contribuições relevantes para melhor
compreensão da aprendizagem escolar.
Dar voz ao aluno, entendido como
sujeito da aprendizagem foi o objetivo do estudo que realizamos e que
apresentou-se-nos como um desafio. Um desafio que acompanhou os momentos das
entrevistas com as crianças e as conversas sobre o seu fazer em sala de aula. O
aluno, enquanto sujeito, deve ser um participante ativo das situações que
vivencia na escola. Assim, propusemo-nos a ouvir o relato da própria criança e
as suas percepções sobre as atividades que realiza em classe.
A pesquisa destacou as
experiências de aprendizagem de sessenta crianças de quatro classes de
alfabetização de uma escola pública, da cidade de Taubaté, interior do Estado
de São Paulo, valendo-se das informações dos próprios alunos, de como eles
percebem e expressam suas vivências escolares. O enfoque centrou-se no aluno,
visto como sujeito do conhecimento e no que ele falou sobre a sua relação com a
professora, os colegas e os conteúdos escolares, na educação infantil e no
ensino fundamental.
As crianças foram ouvidas em
entrevistas e em conversas nas salas de aula, mostrando-se espontâneas e curiosas,
respondendo ou mesmo fazendo perguntas. Com base nas suas expressões, foi
possível conhecer com mais profundidade suas histórias de vida escolar, o que
apreciam, seus interesses e necessidades que manifestam no momento que
vivenciam o aprendizado da leitura e da escrita. Essas informações favoreceram
a reflexão sobre as experiências de aprendizagem e, em conseqüência, podem
alimentar a mediação pedagógica.
Valendo-nos das expressões dos
alunos, enquanto sujeitos ativos de sua própria aprendizagem e pelos aspectos
da atuação das professoras, que puderam ser destacadas de suas falas,
apresentamos como síntese das análises e interpretações, alguns resultados e
conclusões.
Quando as crianças fizeram
referências às suas experiências pré-escolares, as lembranças foram muito
positivas, saudosas, prazerosas e felizes, para a maior parte delas. Elas
falaram de forma carinhosa da professora, de colegas e de atividades que
realizavam na educação infantil. Entretanto, para algumas crianças, essa
experiência não foi tão positiva.
Nesses casos, o não gostar da
pré-escola apareceu ligado aos relacionamentos conflituosos, especialmente com
a professora ou com colegas. A professora não estimada pela criança era vista
como muito brava, indiferente aos seus apelos ou agressiva, inclusive
fisicamente (“puxava a minha orelha”) ou teria apresentado comportamento
inadequado que permaneceu na memória do aluno (“ficou com o meu dinheiro”).
Em relação ao processo pedagógico
na educação infantil, apesar da existência e da divulgação de um grande número
de estudos que apontam os jogos e as brincadeiras como recursos fundamentais
para o desenvolvimento da criança, ainda são pouco usados como instrumento
didático nesse contexto.
As atividades desenvolvidas na
pré-escola e rememoradas pelas crianças ouvidas neste estudo, apontam algumas
questões que devem ser consideradas na formação de educadores infantis. Dentre
as quais destacamos a necessidade de construção do sentido e do significado das
situações partilhadas em sala de aula; da apropriação do lúdico como recurso
pedagógico indispensável ao desenvolvimento e a aprendizagem das crianças; a
reflexão sobre o papel e o valor das interações sociais na educação da
infância.
As experiências vivenciadas pelos
participantes deste estudo, na escola fundamental, foram discutidas e
analisadas com base nas expressões das crianças sobre a própria escola, a
professora, as atividades de ensino realizadas em sala de aula, os colegas, os
brinquedos e as brincadeiras, a importância conferida ao estudo, as ajudas
recebidas em casa para as tarefas escolares e as suas expectativas em relação
ao futuro.
Em relação à escola que estavam
freqüentando no momento da pesquisa, apenas uma criança revelou gostar mais ou
menos da escola, porque todas as demais entrevistadas afirmaram gostar de sua
escola e, dentre as várias justificativas apresentadas, destacamos “porque ela
ensina”.
Parece-nos que esses alunos
construíram uma percepção da função da escola que corresponde exatamente àquela
a ser desempenhada pela instituição na sociedade, ou seja, a de ensinar. Essa
percepção liga-se a consciência que os alunos revelaram sobre o papel da escola
na socialização dos reconhecimentos e às relações que são estabelecidas nesse
contexto. As crianças, mesmo não operando com definições muito precisas, foram
capazes de caracterizar a função de ensinar da escola e o papel do aluno de
aprendiz: “ aqui a gente aprende a ler e escrever” , “já aprendi muitas coisas”
, “ a tia ensina e eu aprendo”.
Uma das questões evidenciadas por
este estudo, foi a importância do aspecto relacional que envolve professor e
aluno, em torno do conhecimento. É nessa tríade que reside a maior parte das
condições que tanto podem ser favorecedoras quanto dificultadoras da construção
dos conteúdos propostos pela escola. Nas suas expressões, os alunos
exemplificaram a qualidade dessa relação: “eu acho a tia superlegal. Ela dá
muita coisa e eu aprendo bastante”, “o que a gente não sabe ela ensina”, “ela é
bem boazinha e me ensina”.
Entre as crianças ouvidas, apenas
duas disseram gostar “mais ou menos” da professora; uma porque ela grita muito
e outra que não apresentou justificativa, mas apenas um porque sim. Entre os
alunos que afirmaram gostar da professora, a maior parte percebe aspectos
cognitivos e afetivos envolvidos na relação ensino-aprendizagem. A afetividade
apareceu como uma expressão simbólica de grande significado na vida escolar,
ainda que não suficiente para garantir a aprendizagem, mas que constitui um
componente que favorece as relações interpessoais e, em conseqüência, a
construção de conhecimentos.
Em relação às atividades de
ensino que realizam em classe, os alunos apontaram que o gostar, se relaciona
com as atividades mais comumente apresentadas pelas professoras, numa espécie
de crença construída sobre a importância daquilo que é proposto em sala de
aula. Conforme Teberosky (1994) e Landsmann (1998), a criança aprende a gostar
de escritas porque estas são bastante freqüentes e aprende, com certeza, a
apreciar a leitura desde que esta esteja presente no cotidiano pedagógico das
classes que freqüentam. Gosta de ler ou produzir historinhas, fazer desenhos e
pintar, realizar cálculos matemáticos e probleminhas envolvendo as operações
porque estas atividades fazem parte do ensinar/aprender na escola.
Sem a participação ativa do
aprendiz nas situações em torno do conhecimento, criadas pelo professor em sala
de aula, não há aprendizagem. É, portanto, na relação com o conhecimento, em
sala de aula, que o aluno se constitui sujeito: “eu pego o jornal(...) e leio
as palavrinhas que eu já conheço”, “eu gosto de historinhas(...) a minha prima
e o meu primo(...) fico contando a historinha para os dois”, “ eu gosto de
escrever na lousa(...) porque a gente aprende”.
O processo de socialização da
criança, que teve inicio na educação infantil, se prolonga e se fortalece na
escola fundamental, especialmente no momento em que ocorre o desenvolvimento do
pensamento categorial (Wallon, 1949/1995). Na instituição escolar acontece uma
importante relação interpessoal que é a estabelecida com os amigos. Estes são
lembrados como algo que a escola tem de bom: “o lado bom daqui(...)é que aqui
eu tenho muito amigo legal”. A escola inclui, portanto, pessoas queridas como a
professora e os colegas que são amigos e com os quais se brincam, e que fazem
parte das lembranças positivas que permanecem na memória da infância.
O sentido dado pelos alunos à
atividade de estudar, ainda que construída a partir do grupo sócio-cultural de
origem da criança, é desenvolvido na relação pedagógica. As situações
interativas que ocorrem em sala de aula vão conferindo significado às
experiências vivenciadas no contexto escolar. Assim, o estudo possibilitou
algumas reflexões sobre as relações entre o professor e o aluno, e entre o
aluno e a vivência escolar.
Da forma como a criança expressa,
ela parece compreender o papel de ensinante exercido pela professora. Cabe à
professora favorecer, fazer a ponte, relacionar os conteúdos com o cotidiano,
com a realidade e com a história de vida de cada criança; mas pode também, dificultar ou mesmo obstruir a relação desta
com o conhecimento. Nessa relação o aluno sente, vê, percebe, aprende, forma
opinião sobre a escola, a professora, as atividades e se transforma em sujeito.
O conhecimento é o eixo
fundamental da relação do aluno com a escola e a professora. Aquilo que se
ensina define, não somente a estrutura de organização do próprio conteúdo, como
todas as interações que têm lugar em sala de aula. É em torno do conhecimento
que gira toda a situação escolar, o que vai interferir na constituição do
próprio sujeito, porque afeta a sua maneira de perceber o mundo e a formação da
sua consciência, portanto, a construção da sua identidade (Wallon, 1949/1995).
A escola a que se referem os
alunos, é um lugar de aprendizado: de ler, escrever, fazer cálculos, desenhar,
pintar, encontrar os amigos, brincar, respeitar os outros, cooperar, “ter
educação”. A função de ensinar da escola parece clara para as crianças, mas
elas atentam também para aspectos que não lhe agradam e reclamam por mudanças.
Sugerem mudanças físicas associadas à atitude de cuidado e preservação: arrumar
o pátio, a quadra, limpar melhor os banheiros, colocar telha nova, pintar as
paredes, pôr toalha nas mesas etc. Requerem melhor utilização dos espaços, dos
pátios, da quadra, para brincar, jogar, melhorar a merenda e “dar dinheiro”
para a escola, pois talvez achem que essa é uma necessidade. A sala de aula é
alvo de proteção, de afeto, de conservação e arrumação: é preciso cuidar,
limpar e enfeitar.
Como espaço do encontro
relacional professor/aluno/conhecimento, a sala de aula é o local onde deve ocorrer a integração entre
o conteúdo das atividades escolares e a realidade cotidiana da vida das
crianças. Precisa ser um espaço aberto onde o aluno seja estimulado a enfrentar
situações diversas que estejam presentes e que constituam parte de sua
realidade. Nesse espaço não é possível a convivência ou a conivência com o
fracasso escolar.
A forma de organização da escola,
a sistemática das aulas, o empenho dos docentes e outros agentes do processo
educativo devem ser no sentido de congregar esforços para um tratamento
adequado às diferenças. O trabalho individual com cada criança e no coletivo da
classe, deve garantir o acesso de todas aos conhecimentos exigidos pela escola
e valorizados socialmente.
Este estudo ressaltou a
importância do professor conhecer melhor o aluno, as aprendizagens que ele já
construiu, sua maneira de pensar, suas necessidades e interesses reais, para
colocá-lo como sujeito ativo de sua aprendizagem. Conhecendo como as crianças
sentem e pensam sobre a escola e o processo de ensino, sabemos que, quando são
ouvidas e atendidas, podem sentir-se capazes, aptas, para aprender e participar
como agentes transformadores da realidade.
Referências bibliográficas:
LANDSMANN, L.T. Aprendizagem da
linguagem escrita. Processos evolutivos e implicações didáticas. São Paulo:
Ática, 1998.
TEBEROSKY, A. Aprendendo a
escrever: perspectivas psicológicas e implicações educacionais. São Paulo:
Ática, 1994.
WALLON, H. (1949). As origens do
caráter na criança. São Paulo: Nova Alexandria, 1995.
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