História e Geografia: identidades e singularidades
História e Geografia: identidades e
singularidades
Na
abertura do documento de História e de Geografia dos Parâmetros Curriculares
Nacionais encontra-se um breve apanhado sobre a trajetória do trabalho com os
chamados Estudos Sociais. Na página 26, encontramos a seguinte informação:
A consolidação dos Estudos Sociais em substituição
à História e à Geografia ocorreu a partir da Lei n. 5.692/71, durante o governo
militar. Os Estudos Sociais constituíram-se, ao lado da Educação Moral e
Cívica, em fundamentos dos estudos históricos, mesclados por temas de Geografia
centrados nos círculos concêntricos. Com a substituição por Estudos Sociais, os
conteúdos de História e Geografia foram esvaziados ou diluídos, ganhando
contornos ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado a justificar o
projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no país a partir de
1964.
As
transformações nos currículos e nos métodos de ensino advindas da oficialização
dos Estudos Sociais acabaram gerando certos mitos que permanecem até os dias de
hoje, limitando as propostas de trabalho com as áreas de História e Geografia.
Um
destes mitos tem como pressuposto a relação entre o trabalho, o estudo das
sociedades e as etapas do desenvolvimento psicológico da criança. Acredita-se,
assim, que os alunos do primeiro e do segundo ciclos do Ensino Fundamental não
têm, a princípio, condições de compreender e de relacionar temas que abranjam
escalas de tempo e espaço para além do tempo presente e do espaço vivido. A
comunidade e o bairro são a base para os estudos iniciais. Assuntos
relacionados à história do mundo ou à geografia de lugares distantes não devem,
portanto, ser abordados justamente porque são considerados distantes e
abstratos pelas crianças.
O que
é preciso considerar, a partir da própria proposta dos PCN, é que, mesmo antes
do ingresso na escola, a criança observa, pergunta e procura explicar os
fenômenos sociais e naturais que observa em seu dia-a-dia. Na escola é
importante que o aluno possa ampliar, rever, reformular e sistematizar as
noções que construiu (e constrói) de forma espontânea, através da aprendizagem
de conteúdos de Geografia e de História.
É
claro que este processo de ampliação, reformulação e sistematização não se
consolida nesse segmento da escolaridade. Afinal, ele representa uma construção
gradativa, que ocorre na medida em que os alunos aprendem a observar,
descrever, comparar, explicar, representar e espacializar acontecimentos
sociais e naturais de forma cada vez mais genérica, considerando dimensões de
tempo cada vez mais amplas, para além do tempo presente.
As
propostas voltadas para o ensino específico de Geografia e História desde às
séries iniciais introduziram seus conteúdos e métodos particulares e também uma
nova forma de compreender o pensamento da criança com relação aos fenômenos
sociais. A dissolução dos Estudos Sociais e a retomada destas áreas é resultado
das lutas de professores, educadores e especialistas, como o próprio texto dos
PCN de História nos apresenta (ver páginas 26 e 27). Por outro lado, os avanços
da psicologia cognitiva nos indicam que aquilo que é intelectual e afetivamente
interessante às crianças não necessariamente tem relação direta às escalas de
tempo e de espaço de seu cotidiano. Pelo contrário. Muitas vezes as crianças,
mesmo sem condições de compreender o assunto do ponto de vista de sua
temporalidade e espacialidade, interessam-se por temas como os animais da
pré-história, a vida no tempo dos castelos, a paisagem das florestas tropicais
ou dos desertos etc. Do ponto de vista didático, a introdução destas áreas nos
primeiros ciclos envolve a compreensão de um modo de pensar e de explicar o
mundo pautado em noções, conceitos, procedimentos e princípios através dos
quais as crianças constroem os seus próprios saberes.
Estudar
História é compreender como o conhecimento histórico é constituído e saber
relacionar esse conhecimento com a época e os autores que o construíram. É
também saber utilizar os conceitos e as explicações com as quais esse saber
opera para compreender o presente, ou melhor, entender o presente a partir de
dimensões de tempo mais amplas. A concepção de que o ensino de História deve
trabalhar apenas acontecimentos políticos ou econômicos ocorridos num passado
distante deve, portanto, ser superada.
A aprendizagem
do conhecimento histórico pode e deve ocorrer desde os primeiros ciclos. Na
escola, o professor pode ensinar os alunos, além de fatos e conceitos,
diferentes conteúdos que permitam ao aluno construir essas compreensões. Como?
§
através
de situações que promovam a comparação entre diferentes versões de um mesmo
acontecimento;
§
por meio
da consulta a uma variedade de fontes (de forma que o aluno compreenda,
inclusive, o que é uma fonte de informação para a elaboração do conhecimento
histórico);
§
desenvolvendo
a percepção da presença de outros tempos no tempo presente;
§
por meio
do conhecimento de fatos não apenas econômicos ou políticos, mas também sociais
e culturais e pelo conhecimento dos diferentes agentes da História, não apenas
os heróis ou governantes;
§
desenvolvendo
a compreensão de que o tempo histórico não é linear e tampouco homogêneo, mas
sim um tempo múltiplo, que indica mudanças, mas também permanências.
Assim,
os temas eleitos para o estudo da História podem envolver assuntos relacionados
ao cotidiano, à trajetória de famílias, à memória dos mais velhos, à arte, ao
folclore e às tradições culturais brasileiras, aos diferentes povos que formam
o povo brasileiro, além de problemáticas da atualidade.
Estudar
Geografia, por sua vez, é estudar a paisagem, buscando compreender as relações
entre os processos históricos que formaram as sociedades humanas, procurando
entender o funcionamento da natureza e como as sociedades se relacionaram com a
natureza através dos tempos sociais. Para entender a paisagem, é preciso
aprender a lê-la, percebendo-a como o resultado de múltiplos espaços e tempos
geográficos.
Para
tanto, é preciso observar, buscar explicações para aquilo que, numa determinada
paisagem, permaneceu ou foi transformado, isto é, os elementos do passado e do
presente que nela convivem. A percepção espacial daqueles que moram nos
diferentes lugares é marcada por laços afetivos e referências socioculturais.
Nesta perspectiva, ao ler a paisagem estamos identificando como os homens em
sua trajetória histórica construíram as diferentes paisagens.
A
leitura da paisagem pode ser feita desde diferentes recortes temáticos: temas
mais relacionados aos aspectos biofísicos das paisagens (mencionadas as
relações de interação que mantêm com os aspectos socioculturais, econômicos e
políticos); temas mais relacionados aos aspectos socioculturais das paisagens
(a percepção e relação que diferentes grupos e povos possuem na construção de
seu espaço); ou, ainda, econômicos ou políticos (como são as temáticas relacionadas
com a interação e a comunicação existente entre diferentes localidades).
Aqui,
é importante ressaltar que a interface existente entre o ensino da História e
da Geografia pode e deve ser considerada. Neste sentido, é fundamental que o
professor ofereça aos alunos um conjunto de situações de aprendizagem que
suscitem problemas, sempre considerando diferentes escalas de tempo e espaço.
Esta dimensão da problematização favorece o trabalho com temas que podem ser
abordados tanto do ponto de vista da História como da Geografia. Afinal, o mais
interessante é que os alunos aprendam a relacionar aquilo que acontece em seu
dia-a-dia e que percebam o modo de ser e viver do seu grupo social, comparando
com acontecimentos ocorridos em outros lugares e em outros tempos, que
caracterizam (ou caracterizaram) o modo de ser e viver de outros grupos
sociais.
A sociedade e a integração com as outras áreas
Promover
a ampliação do conhecimento dos alunos a respeito de temas de inquestionável
valor para a sociedade atual é um dos objetivos do ensino da História e da
Geografia. Por isto, sempre que possível, os conteúdos trabalhados nas aulas de
História e de Geografia devem enfocar explícita ou implicitamente temas
relacionados à ética, à saúde, ao meio ambiente, ao trabalho e consumo, à
diversidade cultural e natural que caracteriza nosso país e o mundo como um
todo. Isto representa um trabalho com os chamados temas transversais, tal como
os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem.
A fim
de promover discussões e de favorecer o desenvolvimento de uma atitude mais
propositiva frente aos temas abordados, é interessante envolver os alunos em
atividades nas quais são convidados a informar, comunicar e até mesmo convencer
os colegas, os funcionários da escola, os familiares e a comunidade mais ampla
da qual fazem parte sobre assuntos ou problemas relativos à conservação do
ambiente, à relação entre qualidade de vida e saúde, à valorização da
diversidade cultural e natural, ao ingresso no mundo do trabalho e às
desigualdades sócio-econômicas.
É
importante desenvolver projetos que envolvam temas que possibilitam mudanças
nas atitudes e nos valores dos próprios alunos. Os cuidados com a saúde e o
bem-estar físico e emocional, a preservação e conservação do ambiente escolar,
os problemas ambientais que a comunidade sofre, os distintos modos de ser e
viver do povo brasileiro são alguns temas sugeridos. A finalização desses
projetos envolve a organização de campanhas cujo público alvo é a própria
comunidade escolar, ou seja, os colegas, os funcionários da escola, os pais e
familiares.
O professor como modelo
No
trabalho com a História e a Geografia, os alunos são colocados em situações nas
quais têm de aprender a estudar. É necessário que aprendam a ler, ouvir,
perguntar, consultar, registrar e organizar as informações obtidas através de
textos, imagens ou até mesmo da exposição do professor. É também necessário
aprender a reapresentar os conhecimentos adquiridos através da escrita, da
exposição oral, ou ainda de desenhos. Além disso, aquele que estuda observa,
experimenta, compara, descreve, troca idéias, sintetiza.
Para
proceder dessa maneira, os alunos necessitam da ajuda do professor para ler,
escrever, discutir, pesquisar e organizar as informações que obtêm. O professor
tem, então, um papel fundamental, pois cabe a ele promover a aprendizagem
desses procedimentos, através de situações nas quais os alunos tenham a
oportunidade de efetivamente atuarem como estudantes.
disso, o professor serve também como modelo de
estudante para as crianças. As perguntas que ele faz sobre as diferenças entre
os modos de viver de grupos sociais distintos, por exemplo, servem como
referência para os alunos em relação a quais tipos de perguntas são pertinentes
de serem feitas em um estudo sobre este tema e quais não são pertinentes; a
forma como ele classifica diferentes paisagens e organiza essa classificação em
um painel é um indicador para os alunos de como pode ser planejada uma
classificação.
É
importante, assim, que o professor atue como "estudante" de Geografia
e de História, compartilhando com os alunos suas idéias, dúvidas, explicações e
formas de pesquisar. Também os seus medos, preconceitos e idéias equivocadas
podem ser divididos com os alunos de forma espontânea, mas intencional. Isto indica
ao aluno que não é apenas ele que erra, tem idéias equivocadas ou ainda medos e
preconceitos.
Conclusão
O
trabalho com a História e a Geografia desde as séries iniciais envolve
conteúdos e procedimentos específicos de cada uma destas áreas. Na seleção e
organização dos conteúdos, o professor deve considerar o fato de não haver
necessidade de se seguir uma escala espaço temporal - os chamados círculos
concêntricos -, afinal seus alunos podem manifestar interesse e compreender
temas os mais variados, abrangendo épocas passadas e lugares distantes. Outro
aspecto a ser ressaltado é a possibilidade de se abordar estas áreas de forma
integrada, por meio de projetos. Neste contexto, é interessante também
incorporar temas socialmente relevantes (temas transversais, conforme definição
dos PCN) e considerar a interface com a Língua Portuguesa. O professor deverá
considerar que a aprendizagem da História e da Geografia envolve procedimentos
relacionados à formação do estudante e que ele próprio também atua como um
estudante e serve como modelo aos seus alunos.
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